Bom, tentarei dizer pra vocês como foi nossa expedição, nossos objetivos, metas e como nos preparamos a cada dia pra conseguir os resultados que conquistamos durante nossa aventura no sertão. Piloto Vagner Campos, organizador e motorista Benito Ferrara Dealer Brasil SKY PARAGLIDERS
Chegamos no sertão dia no dia 01/10/22, 01hs AM. Decidimos que iniciaríamos nossos voos no dia seguinte.
Entrando na rotina do sertão.
A partir de agora tudo muda, desde os costumes de voo local a cuidados com o corpo. É como dar um reset e reprogramar o corpo e mente para um novo mundo do voo. Costumo dizer que voar no sertão nordestino é Nazaré do surf, onde pilotos do mundo todo vem para o Brasil buscar e viver novas experiências, novos recordes e fazer o que ninguém ainda fez, ou tentar pelo menos. Acordamos as 4:40 AM, ansiedade a flor da pele para o primeiro dia, mas esse não é meu primeiro ano é o quinto ano no sertão, mas sempre parece o primeiro e o medo de sempre. Tomamos nosso café, preparamos as últimas coisas que tinha que fazer no equipamento e vamos para decolagem que fica em uma lagoa, aliás esta seca há 10 anos. Antes de chegar passamos por uma vila onde abriga os antigos pescadores desta lagoa, Lagoa do Piató.
Foto da vila de pescadores antes de chegar na nossa decolagem, Lagoa do Piató, Açu / RN
A pista de decolagem é bem ampla e comporta 4 decolagens simultânea. Neste ano trabalhamos com assistência da Carcará Adventure, empresa de um velho amigo de trabalho de guincho Marcilio, um ótimo profissional e amigo. Decolei tarde as 8 am, mas acabei entrando bem no voo, porém devido o cansaço da viagem decidi que no km 200 eu pousaria e voltaria pra descansar e pegar firme nos próximos dias, abandonei o voo com ressentimento, mas segui o plano. No dia seguinte mais preparado mantemos a rotina de sono com um pequeno ajuste no horário... estava acordando as 4:30, mudei para 5:00, foi bom, uns minutos a mais pra sonhar. Fomos para o segundo dia de voo e a meta deste dia era voar o que pudesse, eu queria voar o dia todo. Bom, consegui e voei por 9hs35m. Ufa... bora voltar para no dia seguinte tentar voar, mas acabamos que decidindo por fazer uma rota diferente que gps estava informando pra conhecer a rodovia, pois eu mesmo não lembrava deste caminho e foi uma péssima escolha, estrada muito ruim com muito buraco e acabamos pegando o dia seguinte para descansar. Como chegamos no início do mês ainda não tinha muitos pilotos então parece vazio, mas já sabemos que isso duraria pouco tempo. Uma de minhas dúvidas era sobre a meteorologia do sertão neste ano, como iria se comportar e nos primeiros dias já deu pra ver bem como seria a primeira semana de voo. Pressão alta no início dos dias e depois do km 150 km sempre melhorava e começava a ter nuvens na rota. Mas as térmicas mais fortes que eu peguei na temporada foram nessa primeira semana até as 11 am dos dias de voos em azul... teve um dia que peguei uma térmica de 8 m/s as 10:30am.
Foto Benito Ferrara - Lúcio, instrutor e Rafael me conectando.
Eu particularmente gosto de voar em dias de céu azul, lógico que um dia com nuvens é sempre muito bom e mais veloz pros voos aqui no sertão, mas eu não dispenso um bom dia de vento por estar azul, acho que não devo ter esse luxo de abortar o voo ao menos que eu tenha apenas um objetivo de voo, a nossa meta no sertão é regularidade e voar o quanto puder e o mais longe possível, varias vezes, esse era nosso principal objetivo. Tínhamos números e sabíamos que pontuação abaixo de 2000 no Xcontest não nos interessava para uma boa classificação na categoria SPORT. Vamos tentar! Nunca garanti nada pra Sky mas nunca disse que não tentaria e sempre disse que iria tentar, nós trabalhamos com resultados.
Foto Benito Ferra - Decolagem rebocado pela Carcará Adventure - Marcilio
Bom, os próximos dias foram interessante, basicamente errei 9 dias de voo, pousei após a decolagem e tinha dia que eu pousava ou preguei 2 vezes no dia. Um destes dias, fiz 270 km e passei por uma situação que me despertou, que eu não conseguia subir em uma térmica, tive que pegar 3 térmicas pra conseguir salvar o voo e depois de ter salvo a 2300 metros de altura fui direto pro chão no meu primeiro dia de voo com média pra 400 km, e neste momento me dei conta que eu não estava conseguindo me conectar ao voo, sem concentração, pousei. Aí entra o psicológico no voo, onde eu estava muito bem de cabeça pra ir pro sertão, os anos de experiência, e sabia que tinha entrado na fase de teste do sertão, ele estava me testando, onde você é testado ao extremo. Criei algo na cabeça como aqui no sertão ele te testa e caso você não se perca nos pensamentos, conecte-se ao lugar, conecte-se ao voo e tenha a consciência de que você está ali para crescer, e isso faz parte desse processo, o sertão irá te recompensar.
Foto Benito Ferrara - Decolagem rebocado pela Carcará Adventure - Marcilio
A sky e o Benito sempre muito tranquilos comigo, nunca me cobraram mas eu sabia das minhas responsabilidades e principalmente que eu sou caro voar no sertão. Mas eu não ficava pensando muito nesse aspecto porque naquele momento tinha algo mais importante pra eu resolver que era eu me conectar e começar acertar os voos. Ajustei alguns pontos com ajuda de uma amiga Herta, na alimentação mudei algumas coisas no café e o que levava em voo pra beber e comer durante. Foi bom! Mas o principal era deixar o tempo correr e ai começamos a acertar alguns bons voos. Veio o primeiro acima de 400 km, no dia seguinte pousei de novo após a decolagem, pegamos dois dias ruins de chuva com cumulus-nimbos. Achei impressionante naquela época ali, enfim. Fomos para os próximos voos, estava em voo super bem com média de voo para 460 km em um dia espetacular voando com um amigo Claudinho (na foto abaixo) e encontramos a Serena durante esse voo mas nos separamos. Nós pousamos com 190 km, foi triste. Foi a primeira vez que ficamos baixo no voo e caímos. Claudinho ficou inconsolável, eu dava muita risada, mantendo a calma, sempre com muito cuidado pra não me abalar.
Na foto eu e Claudinho detalhe amarelo na direita da foto, cruzando a represa do Castanhão.
Eu disse pra ele que o mais importante do voo do sertão era sempre estar preparado pro dia seguinte, e no dia seguinte em mais um voo porém com pouco menos vento, mais um voo de 402 km. Pegamos uma sequência de vento fraco e os melhores dias eu errei e tentei correr atrás do prejuízo com os dias que o sertão me oferecia, mas me preparando para os dias melhores.
Primeiro voo de 300km da expedição.
Tive tempo e consegui me conectar ao sertão e fui recompensado em poder cumprir e alcançar nossos objetivos, meu e da Sky paragliders. E chegando no nosso limite de prazo e cansaço, estava terminando nossa estadia em Açu, já quase esgotado fisicamente e psicologicamente, conseguimos voltar com a o nosso objetivo conquistado, em 1º na SPORT no Xcontest. Atualmente já me passaram, mas cumpri minha parte.
No sertão além da experiência de voo, aqui você tem uma grande experiência de vida, em conhecer a cultura do povo nordestino, que apesar das dificuldades a alegria daquela gente é imensa. A generosidade de todos ao recepcionar nós pilotos quando pousamos e pela primeira vez eu e Simon pousamos em uma vila que as pessoas nunca tinham visto um parapente na vida e o mais legal de tudo foi compartilhar um pouco do esporte com eles.
Isso foi só um pouco do que aconteceu nesses 26 dias de voos no sertão. Consegui voar mais de 3 mil quilômetros e mais de 96 horas de voo. Nesta expedição tivemos a companhia de alguns amigos, Hering e Alexandre e Winston.
Quem sabe nos vemos no sertão em 2023.
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